Uma das maiores contradições do pacto federativo brasileiro é o fato de que tributos recolhidos por um ente federativo são parcialmente repassados a outros. Ao mesmo tempo, o ente responsável pelo recolhimento de um tributo é também o único competente para renunciar o crédito no todo ou em partes. Isso leva a uma situação inusitada: se o Estado de Santa Catarina por qualquer razão oferece descontos de ICMS, estará indiretamente impactando os orçamentos municipais e federais que outrora contavam com o crédito renunciado.
Essa antinomia é responsável por algumas das maiores batalhas fiscais da história do país. Muitas delas nunca são conhecidas pelo contribuinte médio, pois impactam apenas o orçamento dos entes federativos envolvidos. A título de exemplo, em setembro de 2024 o STF rejeitou a ADI n.º 3837, que pretendia invalidar trecho de lei complementar que obrigava os Estados a repassarem aos municípios 25% do crédito de ICMS obtido por compensação ou transação tributária.
Mas há batalhas travadas pelos entes contra os próprios contribuintes. É o caso da histórica tentativa da União de tributar renúncias de ICMS como se renda fossem. Isso é feito principalmente com créditos presumidos – um benefício essencial para diversos ramos, como importação ou tecelagem. Segundo o Fisco, os créditos seriam uma vantagem patrimonial sujeita à tributação como qualquer outra.
O STJ resguardou o direito dos contribuintes pelo EREsp n.º 1.517.492/PR, proibindo a tributação federal de créditos presumidos. Em 2023, publicou o Tema n.º 1.182 para estender esse entendimento a outros tipos de benefícios de ICMS. O Governo Federal reagiu à Justiça através da desesperada Lei Ordinária n.º 14.789/2023, que essencialmente ressuscitou a manobra da União através da revogação dos dispositivos de Lei submetidos ao julgamento do EREsp n.º 1.517.492/PR e Tema n.º 1.182, substituindo-os por outros que, embora tivessem o mesmo efeito, por serem novos, não estariam sujeitos ao entendimento jurisprudencial vigente até que fossem apreciados pelos tribunais.
Na prática, isso significa que os contribuintes que utilizam créditos presumidos (e outros tipos de benefícios de ICMS) agora estão sujeitos a lançamentos de impostos federais enquanto as Cortes não pacificarem novo entendimento favorável.
A tendência é que os tribunais reafirmem o entendimento pró-contribuinte até então vigente. Apesar disso, é possível que, através de uma modulação de efeitos, seja resguardado apenas o direito dos contribuintes proativos em ajuizar ações que visem à declaração de inexigibilidade de tributos federais sobre seus créditos presumidos de ICMS. Foi o que ocorreu com a famosa “Tese do Século”, modulada pelo STJ para produzir efeitos apenas a partir de 15/03/2017 (data do julgamento da respectiva tese), exceto para os contribuintes que ajuizaram ações antes da respectiva data. Já dizia a sabedoria antiga: dormientibus non sucurrit jujs – a justiça não socorre os que dormem.
Luciano Palacio Diniz
OAB/SC 61.335
Piazza & Shiewe Advogados
Itajaí/SC – Florianópolis/SC – Itapoá/SC